sexta-feira, dezembro 22, 2006

UMA VISÃO ECOLÓGICA DO TRABALHO E DA “MAIS VALIA” II


Continuaremos a focalizar as relações de trabalho mediante o enfoque sistêmico, a visão ecológica e a perspectiva cibernética.

Uma abordagem, para ser considerada sistêmica, deve incluir, no seu bojo, todos os aspectos que envolvem o sistema em estudo, incluindo os de natureza ecológica, a fim de abranger o entorno do sistema - o seu ambiente - visualizando, por outro lado, tanto o sistema quanto o ambiente. segundo uma perspectiva cibernética, capaz de reajustar, cada um de per si e, adequar , contínua e permanentemente, as relações entre um e outro.

A Ecologia, assimilada em sua dimensão atual, constitui uma ciência de topo, permitindo também uma visão e uma abordagem de natureza abrangente, constituindo um referencial obrigatório para o estudo do ambiente de qualquer sistema e, imprescindível, sobretudo ao do sistema humano.

A introdução da visão ecológica, nas relações de trabalho, é a percepção dessa realidade sob a ótica, sob o prisma, sob a perspectiva da Ecologia e decorre da importância da ação do ambiente sobre todos os seres vivos e, sobretudo, no que se refere ao homem e à sociedade.

A visão ecológica das atividades de trabalho implica em considerá-las como relações ecológicas (um aspecto da ecologia humana), pois se trata de uma ação do ser humano sobre o ambiente e/ou sobre outros sistemas situados no ambiente, inclusive os outros sistemas humanos, afetando-se reciprocamente.

As preocupações ecológicas não podem desprivilegiar do ser humano, integrante do ambiente – o ambiente social, como o faz certo ecologismo vigente, em que, para alguns ambientalistas, outros aspectos ambientais preponderam em relação ao homem.

Hoje em dia, um processo de globalização crescente está curso, o qual altera o ambiente planetário, alcançando os diversos setores da sociedade, afetando todos os seres humanos, indistintamente, principalmente os trabalhadores e os segmentos mais discriminados da sociedade, em virtude da maior dificuldade para adaptação às condições de mudança.

A globalização estabelece um sistema de “vasos comunicantes” entre todos os processos sociais, sobretudo de natureza cultural, política e econômica.

Este fato vem reforçar a necessidade e está, mesmo, a impor uma mudança de paradigma e uma nova abordagem da realidade.

Com relação ao ambiente hostil, o ser vivente pode se comportar de uma ou mais das seguintes maneiras:
· Adapta-se ao ambiente;
· Transforma o ambiente;
· Muda de ambiente ou
· Sucumbe.

O trabalhador, o empresário, as relações de trabalho e o objeto trabalhado, não podem deixar de serem abordados sob do ponto de vista ecológico, em face da abrangência da ecologia, nos dias atuais, como se depreende do seguinte trecho de Edgar Morin:

“a nova teoria biológica, por mais incompleta que ainda seja, altera a noção de Vida. A nova teoria ecológica, por mais embrionária que seja, altera a noção de Natureza. A ecologia é uma ciência natural, fundada por Haeckel em 1873, que se propõe a estudar a relações entre os organismos e o meio, onde eles vivem. Todavia, seja pelo fato da preocupação ecológica ter permanecido menor no conjunto das disciplinas naturais, seja porque o meio era concebido essencialmente como um molde geoclimático por vezes formativo (lamarckiano), outras vezes seletivo (darwiniano), em cujo seio as espécies vivem numa desordem generalizada e em que apenas reina uma lei, a do mais forte ou do mais apto, a verdade é que a ciência ecológica só recentemente concebeu a comunidade dos seres vivos (biocenose) num espaço ou “nicho” geofísico (biótopo), constituindo, juntamente com este, uma unidade global ou ecossistema. Porque razão sistema? Pelo fato de que o conjunto das sujeições, das interações, das interdependências, no seio do nicho ecológico, constitui apesar e através de eventualidades e incertezas, uma auto-organização espontânea. Com efeito, equilíbrios criam-se e recriam-se entre índice de reprodução e índices de mortalidade. Estas regularidades, mais ou menos flutuantes, estabelecem-se partindo das interações.”

Apesar dos conflitos entre os seres vivos e o ambiente, das competições intra e interespécies, há um notável equilíbrio ecológico, pois os ecossistemas possuem a capacidade de auto-regulação e auto-organização, determinado, sobretudo, pela competição, pelo funcionamento da cadeia alimentar e, pelas associações harmônicas e desarmônicas entre os seres vivos.

“Há complementaridades que se estabelecem partindo das associações, simbioses e parasitismo, mas também entre comedor e comido, entre predador e presa, há hierarquias que se estabelecem entre as espécies; assim, da mesma forma que nas associações humanas em que não só as hierarquias, mas também os conflitos e as solidariedades se encontram entre os fundamentos do sistema organizado, a competição (matching) e o ajuste (fitting) são alguns dos fundamentos complexos do ecossistema. Através de todas estas interações, constituem-se os ciclos fundamentais: da planta ao herbívoro e ao carnívoro, do plancto ao peixe e ao pássaro: um ciclo gigantesco em que a energia solar produz o oxigênio, absorve o gás carbônico e une, por meio de mil retículos, o conjunto de seres do nicho ao planeta; nesse sentido o ecossistema é, por certo, uma totalidade auto-organizada. Assim, não era um delírio romântico considerar a Natureza um organismo global, um ser matricial, desde que não se esqueça de que essa mãe é criada por seus próprios filhos e de que ela também é madrasta, utilizando também a destruição e a morte como meio de regulação.”

A destruição e a morte constituem mecanismos de “feedback”, ou cibernéticos, de regulação e controle da natureza, buscando permanentemente o equilíbrio ecológico, tudo a serviço da biodiversidade.

“A ecologia ou, antes, a ecossistemologia (Wildem, 1972), é uma ciência que nasce, mas que já constitui uma contribuição primordial para a teoria de auto-organização do vivo e, no que diz respeito à antropologia, reabilita a noção de Natureza e, nela, enraíza o homem. A natureza já não é desordem, passividade, meio amorfo: é sim, uma totalidade complexa. O homem não é uma entidade estanque em relação de autonomia/dependência organizadora no seio do ecossistema.”

A colocação supra, da natureza como uma totalidade complexa, resulta na proposta de uma Ecologia Sistêmica.

Como todos os sistemas abertos que estabelecem constantes relações (estruturais e funcionais) entre todos os seus elementos componentes (subsistemas), o ecossistema só pode ser enfocado, também como um sistema aberto e, por isso mesmo, abordado sob uma visão sistêmica.

Todas as atividades de um sistema, como ocorre com o próprio ser humano, são relações de intercâmbios internos (intra-sistêmicas ou intersubsistemas) e, também relações do todo com o seu exterior - ambiente, entorno, ecossistema - o que pode ser sintetizado como relações de trocas de matéria, energia e informações.

Esta tríade, em virtude de as informações serem sempre mediadas por matéria e energia, poderia ser simplificada ou reduzida a dois termos (matéria e energia) e, em razão da unidade da matéria e da energia, seria possível empregar um só desses termos (matéria ou energia), entretanto, preferimos utilizar, sempre, a tríade: matéria, energia e informações, uma vez que, cada uma delas tem seu papel específico, atendendo melhor ás razões didáticas, à lógica, aos propósitos e finalidades deste trabalho.

Em razão de que os intercâmbios entre o sistema e o ambiente afetam a ambos mutuamente, seria considerado reducionista o estudo de qualquer sistema que não alcançasse, também, o seu ambiente, por isto, propomos que, na abordagem de quaisquer sistemas, devamos acrescentar, sempre, o exame de sua dimensão ambiental (ecológica), mediante a aplicação dos conceitos da Ecologia, considerando-se esta em seu sentido mais amplo, abrangente e irrestrito, além de focalizar o próprio ambiente como um sistema, ou seja, mediante o enfoque sistêmico, o que caracterizaria a existência de uma Ecologia Sistêmica.

As relações trabalhistas podem ser traduzidas como trocas de matéria, energia ou informações entre o trabalhador e o ambiente, ou mais apropriadamente como uma transferência de entropia negativa (negentropia) do corpo humano para o ambiente de trabalho e/ou para o objeto trabalhado.

Já vimos que o trabalho provoca uma transferência de entropia negativa do corpo do ser humano para o objeto trabalhado, resultando numa desintegração do organismo do trabalhador e, em consequência maior integracão do objeto produzido.

Ao mesmo tempo, o trabalho do homem provoca uma desintegração da natureza e de si mesmo, tornando-o mais entrópico, ele integra e diminui a entropia do sistema-sociedade.

O trabalho corresponde, portanto, tão somente uma transferência de negentropia ou entropia negativa de um sistema para outro.

A transferência de entropia negativa (negentropia) do próprio corpo do trabalhador para o objeto ou sistema trabalhado, torna estes menos entrópicos, enquanto o trabalhador fica mais entrópico, “entropiado” ou estropiado.

El hombre primitivo fue el último ser humano que trabajó para sí mismo y para su familia. La familia integraba el sistema. El adulto aumentaba su entropía proveyendo objetos de consumo por medio de la cacería y el curtido de pieles o la elaboración de objetos para caza, con el fin de que sus críos pudieran crecer, desarrollarse, diferenciarse y disminuir su entropía.”

O salário percebido pelo trabalhador corresponderia a uma porção de negentropia (entropia negativa), paga pelo empregador ao trabalhador em contra-partida à entropia, produzida no corpo do trabalhador em decorrência do trabalho realizado.

“En la actualidad, solo una parte del aumento de la entropía negativa, producto del trabajo de los seres humanos es utilizado por su familia ya que el resto es aprovechado por el sistema-sociedad para integrarse como un todo. Lo que sucede es que dentro del sistema-sociedad siempre han existido grupos de seres humanos que aprovechan, en proporción mucho mayor, el aumento de la entropía de las mayorías en beneficio de su propia integridad para preocuparse una menor entropía.”

No ato da execução de um trabalho, ocorre um aumento de entropia do organismo humano, face à transferência de negentropia ou entropia negativa do corpo do trabalhador para o objeto elaborado, o qual tem sua entropia diminuída e a sua negentropia aumentada.
Durante el proceso de trabajo aumenta el caos y el desorden en el sistema del organismo humano (al perder energía) y aumenta el orden y la diferenciación del sistema que recibe dicho trabajo. El hombre, al fabricar un bien, sea una maquina o un objeto, crea un sistema integrado a expensas de la desintegración del propio sistema.”

Uma parte do salário que o trabalhador recebe é tão somente para compensar a entropia produzida em seu próprio corpo pela transferência de energia (ou negentropia) deste para o objeto de trabalho, ficando “elas por elas”. Por isto, o trabalhador necessita como retribuição pelo seu trabalho, algo mais que a simples reposição da energia despendida, inclusive para atendimento de outras necessidades, como o sustento de sua família.

El ser humano al trabajar pone en peligro su poca probabilidad como sistema y su desequilibrio y inestabilidad en relación al medio ambiente. Se trata de un punto de vista más de la enajenación de ser humano: el de la transferencia de entropía negativa. La actividad económica de ser humano es una transferencia de entropía negativa. Este enajena su orden estructural y su integridad energética, para integrar bienes y proporcionar servicios. Al mantenerse integrado a su familia y a su sociedad y al incorporar a ellas bienes de todos os tipos, el hombre lo paga con el precio de su entropía negativa”.

Acima está referido a um processo de alienação do trabalhador em relação ao produto do seu trabalho, o qual cede sua própria integridade estrutural e energética, que passa a integrar os bens ou serviços por ele produzidos, para os quais transfere a negentropia - ou entropia negativa - do seu próprio corpo, tornando-se mais entrópico.

Nas relações de trabalho podem ocorrer várias hipóteses:

1 - O salário percebido é insuficiente, até mesmo para, mediante alimentação e repouso (aporte de entropia negativa ou negentropia), repor as energias despendidas pelo trabalhador, ou seja, para neutralizar, a entropia produzida pelo trabalho, ocasião em que há um déficit energético no corpo do trabalhador, o que resulta em desnutrição, apatia e doença.

2 - O salário pode ser o parcialmente suficiente, servindo, apenas, para repor a entropia negativa de seu próprio corpo, adquirir roupa de trabalho e pagar o transporte de ida ao local de trabalho e de volta a casa para dormir e estar em condições de, no dia seguinte, retornar ao trabalho, sendo, entretanto, insuficiente para atender às necessidades de sua família o que, neste caso, incide na hipótese anterior.

Nestes dois casos, em que nem toda negentropia (entropia negativa), agregada pelo trabalhador ao produto de seu trabalho, lhe é retribuída, temos uma versão moderna do conceito de “mais valia” que pode ser traduzida como a transferência de negentropia (entropia negativa) do corpo do trabalhador para o de outrem, bem como para agregar negentropia aos bens de terceiros ou, ainda, para aumentar a negentropia do sistema-sociedade, sem a necessária contra-partida, o que ocasiona diminuição da negentropia e aumento da entropia no corpo do trabalhador, proporcionando-lhe fadiga, desnutrição, inadequadas condições de moradia, ausência de lazer, doenças e aceleração do processo de envelhecimento, constituindo um autêntico caso de parasitismo em que o empregador seria o parasito e o trabalhador o parasitado.

3 - Nalguns casos, o salário percebido permite satisfazer todas as necessidades do trabalhador, antes referidas, sobrando-lhe, ainda, parte da negentropia recebida sobre a forma de salário, capaz de atender a outras necessidades pessoais e, da sua família, tais como habitação, vestuário, educação, saúde, lazer e o estabelecimento de uma poupança, em detrimento do empregador que absorve o prejuízo, constituindo-se no parasitado.

4 - O produto do trabalho executado permite atender a todas as condições do assalariado, referidas no item anterior e, ao mesmo tempo, possibilita condição idêntica ao empregador, em contra-partida ao seu trabalho pessoal, exercido na empresa, hipótese em que este deve se equiparar ao trabalhador assalariado, pois é, nada mais, nada menos do que trabalhador também.

5 - Além do atendimento dos itens 3 e 4, o excedente do produto do trabalho conjunto e simbiótico do empregado e do empregador deverá, ainda, permitir à empresa o cumprimento das suas funções sociais, sob a forma de impostos e outros encargos sociais.

6 - O produto do trabalho executado pelo empregador e pelo assalariado, após o atendimento das exigências dos itens 3, 4 e 5 deverá assegurar, pelo menos, a manutenção da entropia negativa (negentropia), investida pelo empregador, ou seja, a manutenção do capital investido. Na hipótese de balanço negativo (prejuízo), significará, tanto para o empregador, como para o empregado: matar a galinha de ovos de ouro, pois ambos estão no mesmo “barco”. Se a causa for conseqüência de ações ou omissões que possam ser atribuídas ao assalariado, ou ainda, se o produto da empresa só permite atender unilateralmente as exigências do assalariado, constituir-se-á num caso de parasitismo, em que este é o parasito, enquanto o empregador é o parasitado.

7 - O ideal para uma empresa, para o empregador, bem como para o empregado e, para a própria sociedade, é que, além da satisfação das exigências referidas nos itens 3, 4 e 5 e, ainda, nos limites da justiça social se produza um excedente que corresponda a razoável um ganho de capital ou lucro, capaz de compensar a privação do capital e sua exposição ao risco, o que poderá resultar em novos investimentos, aumento real de salários, participação dos empregados no lucro das empresas, geração de empregos, e, crescimento e desenvolvimento econômico do país, pagamento de impostos ao erário público, o que permitirá investimentos nos diversos setores dos serviços públicos, beneficiando a própria sociedade, como um todo, com reflexos positivos, tanto para o empregado como para o empregador, enquanto integrantes da sociedade.

8 - O desejável é que haja um conjunto de ações solidárias entre a sociedade (governo), empresário e assalariado, constituindo-se numa verdadeira situação de simbiose tripartite, possibilitando a construção de uma ordem social democrática, participativa, igualitária, fraterna, em que prevaleça ordem, justiça, liberdade, adequada distribuição de renda, capaz permitir a garantia de adequadas condições de educação, trabalho, transporte, segurança, moradia, saneamento básico, nutrição, saúde, lazer, bem estar, tudo com reflexos na qualidade de vida, enfim, no sentido da consecução de um adequado nível de equilíbrio, de homeostasia social.

Ao reconhecermos a existência de uma interação entre os sistemas vivos e o sistema ambiental, constituindo um todo em que ambos se afetam mutuamente, correspondendo a um processo integrativo, em que um é parte do outro, formando, na realidade, um novo sistema de maior amplitude, de natureza mista: o sistema vivo/ecossistema, há necessidade de se atuar, sistemicamente, sobre o ambiente, reajustando-o, ciberneticamente, a fim de adequá-los aos sistemas nele contidos, particularmente, o sistema humano, construindo-se um sistema social mais humano, mais igualitário, mais participativo, portanto, mais democrático.

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