O aumento do poder aquisitivo e o crescimento da comunidade fazem dos muçulmanos um dos mercados de consumo mais promissores do mundo
A Meca do varejo
Por Luciene Antunes
| 03.04.2008
Bill Pugliano/Getty Images
EXAME No mês passado, o Wal-Mart inaugurou na cidade de Dearborn, nos Estados Unidos, sua primeira loja concebida inteiramente para atender o público muçulmano. O novo supermercado possui 550 tipos de artigos sob medida para esses clientes, como CDs de música árabe, cosméticos cuja fórmula não contém ingredientes proibidos pela religião (como gordura de porco) e carnes de animais que foram sacrificados segundo as regras sagradas do Corão. Na equipe de funcionários há 35 atendentes com fluência no idioma árabe. Ao inaugurar sua unidade islâmica, o Wal-Mart, empresa profundamente identificada com o modo de vida americano, tenta responder a uma expectativa de mercado. Dearborn, com 100 000 habitantes, está localizada em Michigan, estado que reúne uma comunidade de 500 000 seguidores do islamismo, uma das maiores concentrações de fiéis fora do Oriente Médio. A operação faz parte de um plano do Wal-Mart de criar pontos-de-venda que sejam capazes de estabelecer uma forte identificação com a comunidade onde suas lojas estão inseridas. "A orientação de marketing da empresa era muito padronizada. Isso não funciona mais", afirmou Bill Bartell, gerente da loja de Dearborn, em entrevista recente à revista americana Newsweek.
A estratégia é também a aceitação de uma realidade demográfica e cultural, com reflexos óbvios para negócios como o varejo. A comunidade islâmica -- com toda a sua particularidade de preceitos e comportamentos -- é uma das que mais crescem no mundo, e as empresas não podem ignorar isso. O McDonald's possui hoje no cardápio, em algumas de suas lojas nos Estados Unidos, vários itens especiais, como o McNuggets de frango halal, como são chamados os pro dutos permitidos pelo código muçulmano. Em sua loja localizada na cidade de Detroit, a rede de móveis Ikea mantém um restaurante típico, distribui catálogos em árabe e produz peças de decoração para o Ramadã, o principal feriado religioso do islamismo. Os serviços foram criados com a consultoria da Câmara de Comércio Árabe-Americana. Em 2005, a inglesa Tesco, segunda maior rede varejista do planeta (atrás apenas do Wal-Mart), introduziu produtos halal em 6% de suas lojas. Hoje, cerca de 30% de seus pontos-de-venda espalhados pelo mundo já oferecem esses artigos.
Um estudo recente da consultoria A.T. Kearney estimou que as vendas de produtos e serviços para esse público já movimentem 2 trilhões de dólares por ano (veja quadro). A alta de preços do petróleo multiplicou o poder de consumo da população do Oriente Médio e a comunidade cresce rapidamente não apenas nos países muçulmanos. Estados Unidos, França e Alemanha são exemplos de nações onde há um grande contingente de seguidores da religião. O número de muçulmanos está estimado hoje em 1,5 bilhão de pessoas -- o equivalente a 20% da população mundial. No ritmo atual de evolução demográfica, essa proporção deve chegar a 30% até 2025. "É um mercado com grande potencial, mas ainda pouco explorado", afirma Martin Walker, um dos autores da pesquisa da A.T. Kearney.
Negócio emergente |
O mercado voltado para os consumidores muçulmanos é um dos que mais crescem no mundo atualmente. Conheça algumas de suas características: |
Existem 1,5 bilhão de muçulmanos no mundo, o equivalente a um quinto da população mundial. Desse total, a parcela que mora em países mais desenvolvidos e que possui alta renda per capita cresce rapidamente |
As vendas de produtos e serviços que seguem os preceitos do Corão totalizam em média 2 trilhões de dólares por ano |
O mercado mundial para serviços financeiros que respeitam as regras do islamismo é estimado em 400 bilhões de dólares e cresce a uma taxa de 15% ao ano |
Fonte: A.T. Kearney |
A CONSOLIDAÇÃO DOS MULÇUMANOS como um mercado relevante está diretamente ligada à globalização. O fenômeno faz com que parcelas cada vez maiores dessa população passem a consumir produtos e serviços ocidentais -- desde que isso não implique desrespeitar os preceitos do Corão. Por causa dessa situação, as companhias são obrigadas a realizar uma série de adaptações. Um dos mercados mais complexos de atuação é o financeiro. Nos bancos voltados para muçulmanos há processos especiais de leasing, empréstimos e hipotecas, já que a cobrança de juros configura, no islamismo, o grave pecado da usura. Para não ferir o preceito, as instituições financeiras combinam com os clientes a margem de lucro que receberão por essas operações. Perdas e ganhos também devem ser compartilhados. Se uma empresa toma um empréstimo e tem lucro, os resultados são divididos entre as partes, e vice-versa. Por fim, é vetado investir em companhias envolvidas nos mercados de bebidas, fumo e jogos de azar.
O mercado mundial para serviços financeiros que respeitam as regras do Corão é estimado atualmente em 400 bilhões de dólares -- e cresce a uma taxa de 15% ao ano. Na carteira de serviços de instituições como HSBC, Citi, Barclays e American International Group já existem uma série de serviços voltados para clientes mulçumanos. De acordo com especialistas da JWT, quarta maior agência de publicidade do mundo, as empresas estão diante do mais promissor e inexplorado segmento de consumo. "Ignorar um mercado que representa 7 milhões de pessoas somente nos Estados Unidos é um erro tão grave quanto foi o de voltar as costas para os hispânicos, que só receberam a devida atenção das companhias americanas a partir dos anos 90", diz Marian Salzman, vice-presidente executiva da JWT.
Nenhum comentário:
Postar um comentário