sexta-feira, maio 16, 2008

UMA ABORDAGEM SISTÊMICA DO TERMO "SACANAGEM"

Significado jurídico de “sacanagem”

José Marcelo Vigliar

O presidente Lula disse, no último dia 12 de maio, que pretende instituir as diárias para acabar com as “sacanagens” no governo federal, provavelmente praticadas com o indevido uso dos tais “cartões corporativos”, aparentemente investigados por uma CPI.

Fiquei intrigado. Quais as sacanagens?

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, indica que a palavra “sacanagem”, na sua acepção informal, utilizada de forma grosseira, admite várias acepções. Muitas delas se completam, como se vê no referido léxico.

Pode constituir, assim, um ato, um dito ou um procedimento de um sacana. Sacana, no mesmo dicionário, é um devasso, um libertino, um sensual. Não parece que essa constitua a preocupação do presidente. Não em relação aos cartões corporativos. Eventuais libertinos, devassos e sensuais, não foram flagrados utilizando-os. Outros pecados capitais animaram a indevida utilização (v.g., a gula). A luxúria, até onde se sabe, não.

Também não deve ser a sacanagem, compreendida numa outra acepção, que a explica como um gracejo, um ludibrio que tenha que ser contida, a partir da implantação das tais diárias mencionadas pelo presidente. Exceto, claro, se tomarmos a palavra ludibrio como enganação (um de seus significados). Nesse caso, caberia a indagação: quem estaria sendo enganado no atual sistema de utilização dos cartões?

Prossigamos com Houaiss, pois há outros significados.

Não consta que “comentários divertidos e perversos” (um outro sentido para sacanagem, conforme o dicionarista) tenham que ser sobrestados. Talvez sim, desde que consideremos o vazamento de informações sobre a utilização dos cartões. Não em relação a utilização, digamos, sacana, dos mesmos. Aqui, a sacanagem estaria no próprio vazamento, na própria devassa (e não a mencionada devassidão) na vida de quem, anteriormente, o utilizou.

Portanto, essa também não é a sacanice (sinônimo de sacanagem) a ser controlada a partir do pagamento de diárias.

Sacanagem, ainda, pode significar maldade, perversão, deslealdade. A utilização indevida dos corporativos não revela, propriamente, uma maldade.

Uma deslealdade pode, realmente, constituir uma grande sacanagem, como bem esclarece o lexicógrafo. Volta, então, a questão anterior: a deslealdade foi cometida contra quem? Seria a deslealdade que contraria o princípio que o agente público integrante do governo federal deve observar?

Como se observa, estamos chegando perto do conteúdo jurídico. Antes, apenas uma breve consideração sobre a perversão.

Perversão tem um duplo senso: pode ser a condição do maldoso, mas pode significar também a condição do corrupto. Descartemos as maldades. Uma maldade pode representar uma sacanagem. Não para o caso dos cartões. Sobra, então, a corrupção, uma das maiores sacanagens que os agentes públicos podem aprontar. Nesse caso, a indevida utilização dessas tarjetas magnéticas podem gerar muitos atos perversos, muito sacanas. Os cofres públicos que o digam.

Dentro do universo de um sacana, qual dessas sacanagens devem ser contidas? Obviamente, as únicas que nos interessam. As que, partindo dos sugestivos significados comuns, assumem conotações jurídicas, criando relações disciplinadas pelo direito: as sacanagens que representam a condição do corrupto, e as que representam a condição do desleal (deslealdade cometida contra os princípios consagrados na Constituição).

O presidente Lula, conscientemente ou não, cometeu um dos maiores acertos dos últimos tempos. Considerando que não há tipicidade em sede de improbidade administrativa, considerando que a Lei nº 8.429/92 apenas e tão somente exemplifica atos de improbidade em seus arts. 9º, 10 e 11, nada mais significativo, para o episódio dos cartões corporativos que mencionar o gênero: sacanagem que, no contexto da presente coluna, só pode significar improbidade.

Claro que o presidente trará todas as explicações necessárias e, eventualmente, dirá o quê pretendeu significar ao mencionar as sacanagens referidas. Não faltarão espaços para tanto.

De qualquer forma, eventuais investigações em trâmite, CPIs que tenham a vontade de apurar, devem recomendar o fim dos tais cartões, propícios à produção de sacanagens. Mais. No caso da CPI, seria possível e viável até mesmo a realização de atividade legislativa (para variar), proibindo os tais cartões.

A exposição de motivos da lei para adoção da proibição já foi sugerida pelo presidente.

Sexta-feira, 16 de maio de 2008

Fonte: Última Instância

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