UMA VISÃO SISTÊMICA DO PANTANAL
Pantanal vale US$ 112 bilhões, diz estudo
CLAUDIO ANGELO
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo
Quanto vale um bioma? A pergunta pode parecer maluca, mas, se o bioma em questão for o Pantanal, ela já pode ser respondida: US$ 112 bilhões por ano, no mínimo. Várias ordens de grandeza mais que o máximo de US$ 414 milhões anuais que a devastação do local gera.
O cálculo foi feito por um pesquisador da Embrapa Pantanal, em Corumbá, e põe pela primeira vez em perspectiva o valor dos serviços ambientais prestados pela maior planície alagável fluvial do mundo, comparados com aquilo que é gerado pela pecuária, a mais rentável atividade econômica praticada na região.
Segundo o oceanógrafo e economista gaúcho André Steffens Moraes, "perdido no Pantanal desde 1989", um hectare preservado do bioma que detém a maior concentração de fauna das Américas vale entre US$ 8.100 e US$ 17.500 por ano. A conta é detalhada em sua tese de doutorado, recém-defendida na Universidade Federal de Pernambuco e disponível para download (www.cpap.embrapa.br/teses).
Nela, Moraes inclui valores potenciais de coisas como madeira, produtos florestais não-madeireiros e ecoturismo. Mas também de coisas que não estão nem podem ser colocadas facilmente no mercado, como o valor da polinização feita por aves e insetos, o controle de erosão e, principalmente, a oferta e regulação de água -produtos e serviços que são perdidos quando a vegetação tomba. "Eu analisei quanto a sociedade perde quando se desmata", disse o pesquisador.
Estilo Zé Leôncio
Com terras que ficam alagadas até 8 meses por ano, impróprias para a agricultura e abundantes em gramíneas, o Pantanal parece combinar com a pecuária, única atividade -além do turismo- rentável ali. Hoje há 5,3 milhões de cabeças no bioma, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A pecuária também parece combinar com o Pantanal: como o capim faz parte do ecossistema, não é preciso recorrer ao desmatamento para criar gado. Há no bioma uma coexistência pacífica única no Brasil entre gado e fauna, que acaba tornando os fazendeiros da região conservacionistas, no melhor estilo Zé Leôncio (o fazendeiro consciencioso da novela "Pantanal", interpretado pelo ator Cláudio Marzo).
No jargão dos economistas, esse pecuaristas são considerados "satisficers" (saciadores) e não "maximizers" (maximizadores). Segundo Moraes, o gado é de certa forma bom para a fauna: com carne de sobra, a pressão de caça diminui.
Desmate na cordilheira
O problema é que viver como Zé Leôncio não é para quem está interessado em grandes lucros: "A pecuária é extensiva, então a rentabilidade é baixa", afirmou Moraes à Folha. Para ser exato, cada hectare de boi em pasto nativo rende US$ 12,5 ao ano para os produtores.
E é claro que pouca gente quer ser Zé Leôncio hoje em dia. A partir dos anos 1970, um aumento na demanda por carne associado a uma inundação no rio Taquari que diminuiu a área de pasto natural fez os fazendeiros começarem a derrubar as matas nas chamadas cordilheiras, as áreas de floresta que ficam secas o ano todo.
Sem a dor-de-cabeça de precisar tirar o gado todo ano quando o pasto alaga --que reduz o peso dos animais--, quem cria gado nas cordilheiras ganha mais dinheiro: US$ 28 por hectare ao ano.
Isso obviamente teve impacto direto sobre o bioma. Até 1991, apenas 545 mil hectares de mata nativa pantaneira haviam tombado. Em 2000 já era 1,2 milhão de hectares, ou 30% da área do Pantanal.
"O pecuarista não tem alternativa produtiva. O mercado o pressiona para desmatar e pôr pasto", diz Moraes. "Quando ele faz isso, as ONGs e a sociedade criticam, mas eu como pecuarista faria a mesma coisa."
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