'Candidatos devem abdicar do controle de campanha na web'
Estadão/IZ
Que a internet será um instrumento importante nas próximas eleições, já é praticamente um consenso. Com a sanção presidencial da nova lei eleitoral, que libera uso da internet nas campanhas, a maioria dos candidatos já pensa como tirar proveito das possibilidades que a rede oferece para conquistar votos. Mas os políticos e estrategistas que imaginam poder usar a web da mesma maneira que as mídias e a publicidade tradicionais, poderão ter uma surpresa indigesta.
"Se no passado as estratégias de campanha giravam em torno do controle das mensagens, agora, com a internet, os responsáveis pelas campanhas devem abrir um pouco mão desse controle porque, de certa forma, você deve entregar a campanha ao que os eleitores têm a dizer." A advertência é de Christopher Arterton, um dos principais especialistas em estratégia política dos Estados Unidos e estudioso da relação entre a internet e campanhas eleitorais.
Em entrevista ao estadao.com.br, Arterton, que é fundador da primeira faculdade americana para formação de políticos profissionais, defendeu que, para tirar proveito da web, as campanhas precisam estimular a participação dos eleitores, mas sem se preocupar com eventuais críticas.
"Quando Obama anunciou que iria apoiar a volta de uma lei de espionagem que permite aos Estados Unidos vigiarem estrangeiros suspeitos de terrorismo, muitos eleitores ficaram descontentes. E organizaram um protesto no site da campanha do próprio Obama. Certamente seria algo muito incômodo para vários políticos", exemplifica Arterton.
Mas foi exatamente isso, continua ele, que transformou a campanha do democrata num novo paradigma político. "A campanha de Obama foi mais uma cruzada", diz, em referência às milhares de pessoas que participaram da campanha voluntariamente.
Reitor da Escola de Gerenciamento Político da George Washington University e ex-analista de pesquisas eleitorais da revista Newsweek e do Instituto Gallup, Arterton sabe que dificilmente um fenômeno como o de Obama aparecerá tão cedo na política mundial - e muito menos no Brasil, que já elegeu seu líder carismático em 2002. Ainda assim, encoraja os candidatos brasileiros a apostarem na web. É isso que o traz a São Paulo, onde abrirá o seminário "O Efeito Obama", nos dias 15 e 16 de outubro.
Abaixo, a íntegra da entrevista.
Em declarações recentes, o Sr. disse que será difícil a qualquer político repetir os efeitos da campanha de Barack Obama na campanha de 2008. Dito isso, por que os políticos brasileiros deveriam ter uma estratégia de campanha online para as eleições do ano que vem?
Certamente acredito que eles devam tentar. O que eu quis dizer sobre a dificuldade de repetir o que aconteceu em 2008 é que Obama era uma figura muito carismática. Por causa disso, o apelo natural dele aos eleitores, e as tecnologias que ele usou, funcionaram muito bem juntos. Então, se você tem um candidato que não é tão carismático, ele dificilmente terá o mesmo tipo de resposta. Eu acho que Lula, por causa da sua história, é visto como um político carismático.
Dificilmente os candidatos das eleições brasileiras do ano que vem terão o mesmo carisma de Lula, mas todos estão interessados em utilizar a internet.
Eu certamente os encorajaria a usar a internet, porque acho que esta é a mais nova e empolgante forma de comunicação. E acho que eles devam utilizar, em primeiro lugar, porque quem não estiver na internet passa para seus eleitores a imagem de uma pessoa que não conhece as tecnologias modernas e não se mantém atualizada. Assim, dificilmente seus eleitores irão se engajar na candidatura.
Como um especialista em política e mídia, o que de fato mudou nesse relacionamento com a eleição de Barack Obama?
Acho que a maior mudança foi que as pessoas no comando das campanhas perceberam que não precisavam controlar tanto as mensagens para capitalizar e usar a internet. O que chamamos de web 2.0 encoraja as pessoas a se envolver, conversar e se organizar. O que acontece é um rompimento com o fluxo de mensagens dos políticos para os eleitores. Então, quando Hillary Clinton, no começo da campanha, divulgou um anúncio televisivo no qual dizia querer ouvir a opinião dos eleitores, e o que aconteceu foi que as pessoas pensaram "isso não é verdade, é apenas uma ação de propaganda do partido". Por isso que praticamente não houve respostas dos eleitores, como esperavam os marqueteiros de Hillary.
Recentemente, o Congresso brasileiro aprovou uma reforma eleitoral em que um dos assuntos mais discutidos foi o uso da internet. Um dos pontos interessantes do processo foi que a Câmara dos Deputados, num primeiro momento, praticamente vetou o uso da internet na campanha. Mas quando o projeto foi para o Senado, o uso da internet foi aprovado. Isso mostra o estágio em que estamos no Brasil. A verdade é que maioria dos políticos parece ter medo da internet.
Acredito que temos um fenômeno parecido aqui. Antes da vitória de Obama, muitos políticos em campanha usavam a internet, mas não levavam isso a sério. Não acreditavam que a web iria ajudar em alguma coisa. Primeiro porque achavam que a internet era meramente um site, como um folder que você passa adiante e que não tem a interatividade característica da internet. Ou seja, muitos políticos pensavam que deveriam usar a internet como uma forma de propaganda, mas sem a necessidade de dar muita atenção para o que estava ali. Agora, esses mesmos políticos estão pensando, "meu Deus, isso é sério! Preciso saber mais sobre". Isso porque surgiu um candidato vitorioso que teve sua candidatura baseada na internet. Foi essa a percepção sobre a vitória de Barack Obama, mas não necessariamente a verdade. Acho que outros aspectos também ajudaram no resultado.
Há também nos Estados Unidos essa sensação de que muitos políticos temem a liberdade de expressão que a internet proporciona?
Sim. Principalmente os políticos que estão há muito tempo no poder. Eles se sentem acuados em dois sentidos. Primeiro porque isso é algo novo que eles não necessariamente entendem. Muitos políticos querem repetir o que fizeram para ganhar eleições passadas, e a mudança não é algo com que se sintam confortáveis. O segundo sentido foi demonstrado no caso Obama.
E diz respeito ao papel dos formuladores da campanha, que encorajaram um grupo de eleitores a discutir entre si, sem ter como controlar o conteúdo das conversas. Isso é muito diferente da mentalidade que dominou as campanhas até então.
Ou seja, se no passado as estratégias de campanha giravam em torno do controle das mensagens, agora, com a internet, os responsáveis pelas campanhas devem abrir um pouco mão desse controle porque, de certa forma, você deve entregar a campanha ao que os eleitores têm a dizer. Um exemplo: no começo da campanha, tínhamos candidatos que encorajavam os eleitores a mandar mensagens para seus sites, mas eles filtravam os comentários antes de disponibilizarem para os outros eleitores. E o que a equipe de Obama fez - e a campanha do (candidato republicano) John McCain também - foi permitir uma discussão livre.
Assim, havia comentários críticos nos sites, da mesma forma que mensagens de apoio. O melhor exemplo disso aconteceu no meio da campanha, quando Obama anunciou que iria apoiar a volta de uma lei de espionagem que permite aos Estados Unidos vigiarem estrangeiros suspeitos de terrorismo. Muitos eleitores de Obama ficaram descontentes com o apoio a lei. E por isso organizaram um protesto no site do próprio Obama. Certamente isso seria algo muito incômodo para vários políticos. E foi exatamente o que fez a campanha de Obama ser bem-sucedida.
Claro. É por isso que volto a dizer que a campanha de Obama foi mais uma cruzada do que uma campanha comum.
No caso americano, é possível dizer que em um dado momento a mobilização online se tornou mais importante do que o velho modo de fazer política?
Sim. Quando você tem um candidato carismático, os eleitores podem ficar empolgados, e a estratégia passa a ser mobilizar, ao invés de persuadir.
Qual foi o papel da imprensa nesse ambiente com tantas possibilidades de interação direta entre candidatos e eleitores e entre os próprios eleitores?
A imprensa continua a ter o papel de validar a informação disponível aos eleitores. Havia muita desinformação ao longo da campanha. Os principais jornais e televisões tiveram o papel de fazer as pessoas entenderem quais eram os verdadeiros fatos e questões relevantes em meio a tanta informação circulando.
Tenho alguns números sobre a internet brasileira. Num universo de 190 milhões de habitantes, cerca de 60 milhões têm acesso à internet. Desses, apenas 30 milhões usam banda larga. A partir desses números, que papel o marketing online deverá exercer nas eleições do ano que vem?
Se apenas um terço dos brasileiros têm acesso à internet, certamente os candidatos terão que utilizar massivamente os meios tradicionais para se comunicar com os eleitores. E nas campanhas de Obama e de McCain não foi diferente; as velhas mídias continuaram extremamente importantes. E provavelmente serão ainda mais importantes no Brasil. A partir daí, dado que apenas metade dos eleitores com internet, ou um sexto da população, tem acesso a internet banda larga, é possível dizer que as campanhas, quando na internet, irão utilizar sites e e-mails, ao invés de plataformas altamente interativas.
Por exemplo, na última campanha, alguns candidatos colocaram vídeos na internet de forma que os eleitores podiam editar os vídeos e criar seus próprios anúncios televisivos. E havia um concurso no qual os eleitores podiam ter seus anúncios escolhidos para serem transmitidos. Bem, para isso, é necessário que os eleitores tenham acesso à banda larga, já que a quantidade de dados trocados é muito grande. Dificilmente uma iniciativa desse tipo daria certo no Brasil, onde apenas um sexto das pessoas tem acesso à banda larga.
Mas por aqui temos uma boa penetração da telefonia celular. Como esse recurso foi usado nas eleições americanas?
Houve um grande componente móvel na campanha de Obama. A estratégia era coletar informações de usuários de telefones celulares de forma a manter a comunicação com os eleitores utilizando mensagens de texto. Uma das coisas que fizeram foi incentivar os eleitores a votar, já que apenas metade dos eleitores americanos tem o costume de ir às urnas. Então você passa a ter acesso a esses eleitores que não costumam votar, por meio de mensagens de texto. Especialmente os eleitores jovens.
E Obama teve uma votação expressiva na faixa com menos de 30 anos, acho que cerca de 60% desses eleitores. Se ele não tivesse esses eleitores, o resultado provavelmente teria sido bem mais apertado. Muitos estados foram do campo republicano para o campo democrático graças aos eleitores jovens, justamente os que se organizaram através das mensagens de texto.
O que os políticos brasileiros deveriam considerar caso queiram mobilizar os eleitores?
Acho que devem apostar em um bom site, que explique quem eles são e quais são suas posições em diferentes assuntos, de forma que os eleitores possam encontrar informações sobre suas candidaturas. Além disso, devem usar seus sites para coletar, com a permissão do eleitor, informações como o telefone celular ou o e-mail para enviar mensagens de texto sobre assuntos da campanha, como a realização de um debate ou um pedido para que o eleitor mobilize seus vizinhos. Então o site deve ser um veículo de convencimento, enquanto o resto da comunicação na internet deve servir para mobilizar.
O Sr. virá ao Brasil para um seminário sobre a campanha na internet na semana que vem. O que espera do evento?
Espero que seja um evento útil para as pessoas interessadas na política brasileira e na possibilidade de adaptar o que conquistamos aqui nos EUA à realidade do seu país. Acho que aspectos como história, cultura, classe economia e questões políticas formam o conteúdo de uma campanha política. Mas os veículos pelos quais essas mensagens são entregues são influenciados pela tecnologia disponível. Então, acredito que o objetivo da conferência é aprender a usar e empregar a tecnologia para levar as mensagens mais importantes aos brasileiros.
Vocês da George Washington University têm planos de estabelecer um escritório no Brasil?
Na verdade o que queremos é encorajar outras universidades a criar programas de política e democracia aplicada, no que seríamos gratos em ajudar. A Escola de Gerenciamento Político não fornece diplomas de ciências políticas. É na verdade uma disciplina prática e aplicada, sobre como as pessoas podem mobilizar o poder numa democracia. E como eu não acho que a política americana seja a melhor política para outros países empregarem, parece-me que o currículo de uma escola no Brasil deva ser muito mais adaptado às condições e à política local.
Mas se há vontade de começar um programa de graduação em democracia aplicada, estaremos felizes em ajudar. Fizemos isso em escolas na Europa, Canadá e devo me encontrar nas próximas semanas com representantes de universidades brasileiras.
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