sábado, dezembro 27, 2008

Para não botar azeitona na empada do Serra (Carlos Chagas)

BRASÍLIA – Reunido com governadores do Nordeste, terça-feira, em Recife, o presidente Lula era só sorrisos, diante da reivindicação geral de que, na reforma tributária, o ICMS deve ser cobrado na fonte, ou seja, pago pelos estados produtores, não pelos consumidores. Isso por razão política, muito simples: o prejuízo vai para José Serra, apesar de atingir São Paulo.

As relações entre os palácios do Planalto e dos Bandeirantes nunca estiveram tão bem, Serra virou freqüentador rotineiro do gabinete presidencial, mas como dizia a madre superiora, “guerra é guerra”. Ainda dias atrás o governo federal beneficiou São Paulo com a compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil. Muitos milhões oriundos da transação serão utilizados por Serra nos setores de transportes e habitação, iniciativa capaz de aumentar ainda mais a cotação de suas ações sucessórias.

Se na reforma tributária essa vantagem puder ser compensada, melhor para o PT e o presidente. Ainda que, é claro, as reivindicações dos governadores do Nordeste não venham a ser totalmente atendidas. Mas um pouco de sacrifício para os paulistas se não favorecerá Dilma Rousseff, ao menos prejudicará José Serra.

Como estado produtor, Minas também não deve estar gostando muito da solicitação nordestina, mas, ironicamente, Aécio Neves pode estar, concorrente que é do governador paulista na decisão inicial a ser adotada no ninho dos tucanos. Porque tudo o que cria dificuldades para Serra gera facilidades para o governador mineiro. Ele se encontra em plena campanha, acaba de visitar Santa Catarina e bate com vigor na tecla que lhe é mais favorável: o Brasil precisa de renovação, está na hora de substituir a geração de políticos com mais de sessenta anos.

Como a reforma tributária foi mais uma vez empurrada com a barriga, ficando para ser votada apenas em abril do ano que vem, na Câmara, trata-se de uma discussão retórica, mas eficaz, caso divulgada pela mídia.

Slogans paratodo gosto
O humor continua um dos principais pilares de sustentação da política, apesar de às vezes penetrar fundo nas camadas de orgulho dos políticos. Começa a circular em Brasília uma espécie de concurso destinado a definir com pequenos slogans as candidaturas presidenciais já sendo postas.

O PT e, em conseqüência, Dilma Rousseff, caso permaneça candidata, poderão aparecer junto à opinião pública como “O retorno dos que não partiram”, alusão ao fato de que as antigas promessas de campanha do Lula viram-se substituídas pela ortodoxia neoliberal. Seria a hora, quando começar a campanha, da repetição dos velhos objetivos, como proibição de demissões, criação de dez milhões de novos empregos, enquadramento das multinacionais, limitação do lucro dos bancos, distribuição de renda, aperto fiscal nos ricos e desafogo de impostos para os pobres. E quanta coisa a mais, abandonada antes mesmo da posse do companheiro-mor?

Para José Serra, nada melhor do que definir sua nova tentativa de chegar à presidência como “As tranças do rei careca”. Menos pela falta de cabelos do candidato, mais por ele não haver exposto até agora as linhas-base de seu possível governo. As tranças, quer dizer, suas propostas, continuam desconhecidas, favorecendo o raciocínio de que aplicará no País as mesmas soluções uma vez adotadas por Fernando Henrique Cardoso.

Cristovam Buarque, que insistirá em lançar-se em nome de uma revolução na educação, faz muito ganhou o rótulo de “Samba de uma nota só”, tendo em vista o conteúdo da totalidade de seus pronunciamentos, discursos, entrevistas e sucedâneos. Por mais importante que seja a educação para todos nós, a verdade é que outras metas tornam-se igualmente necessárias, desde alimentação, habitação, transportes e muito mais.

Como enquadrar Ciro Gomes nessa especulação irreverente? “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura” poderia caracterizar suas duas derrotas anteriores e a expectativa de que desta vez tentará obter sucesso.

Quanto a Aécio Neves, que tal encontrar na presidência de um seu antecessor, também governador de Minas, um mote capaz de defini-lo? Que tal “Abriram as portas do jardim de infância”, uma homenagem a Afonso Pena e seu ministério, bem como um sinal de que o governo de meninos de calça curta talvez possa dar certo depois do governo dos barbudos?


Contradições
A ninguém será dado contestar a estratégia das montadoras, postas em xeque desde o início da crise econômica mundial. Porque lá e cá as fábricas de automóveis têm sido as mais atingidas. Umas em estado pré-falimentar, mendigando bilhões dos respectivos governos e com os pátios repletos, outras dando férias coletivas a seus operários – todas preparando-se para demissões em massa, se é que já não começaram.

Pois diante desse vendaval, o que vem fazendo as montadoras? Basta ligar a televisão ou passar os olhos nos jornais e revistas para ver como aumentou a publicidade de todas. São oferecidos veículos de todas as formas e cores, até a preços mais baixos, uma forma de tentarem compensar as perdas.

O que exprime uma contradição, vindo até de antes da crise, é que produzindo e vendendo tantos automóveis assim, no mundo inteiro, seus fabricantes deixam de atentar para situação ainda mais explosiva e catastrófica do que a falta de capital de giro e de crédito. Estão tornando as cidades inabitáveis. Por mais que os governos dediquem a maior parte de sua receita para abrir avenidas, construir pontes e viadutos, duplicar rodovias e facilitar o tráfego de carros, trata-se de uma batalha perdida. Não vai dar, como já não ia dando. Basta verificar como ficou difícil estacionar em qualquer das grandes e das pequenas cidades. O transporte individual exprime uma tentação impossível de despertar resistência, mas sua multiplicação logo tornará inviável a vida em comum.

Sob esse aspecto a crise econômica poderia até estar sendo benéfica, não fosse à réplica da indústria automobilística, que pretende que o cidadão ameaçado de perder o emprego continue comprando seus carros em prestações a perder de vista e ajudando a tornar as ruas intransitáveis...


Vai até o fim
Foi duro o diálogo, terça-feira, na tesouraria do PMDB, entre o presidente do partido, Michel Temer, e o presidente de honra, Paes de Andrade, que cobrou o compromisso do interlocutor de renunciar logo depois de eleito presidente da Câmara e, mais ainda, de apoiá-lo. Temer não negou o compromisso, mas acentuou a existência de dificuldades. Prefere deixar a vice-presidente deputada Íris Araújo, por uns três meses à frente do PMDB. Paes disse haver trocado há muito tempo a habilidade pela audácia, declarando-se candidato, com o apoio de muitas seções estaduais.

Michel Temer não quer que a sucessão no partido prejudique sua eleição para a presidência da Câmara e também lembrou a existência de outro candidato no PMDB, o senador Romero Jucá. Paes, ex-presidente do partido e da Câmara, sustentou que disputará o cargo contra quem for preciso, Íris Araújo, Romero Jucá ou qualquer outro. Existem dúvidas se a decisão será tomada pelo Diretório

Nenhum comentário: