O melhor porque outros foram piores (Carlos Chagas)
BRASÍLIA - Não houve, nos artigos anteriores sobre os quarenta anos do movimento militar de 1964, qualquer intuito megalômano de fazer história. Outro autor bem mais competente, além de mil vezes duplicado o espaço aqui perdido, talvez venha a suprir as necessidades de uma tarefa que apenas o futuro promoverá com isenção. Sem as paixões e os condicionamentos daqueles que viveram a deflagração e o desenrolar de um regime ates de tudo ditatorial, truculento e cruel.
Mas um regime não apenas marcado por essas características. Foi, também, um período em que o Brasil conseguiu garantir sua soberania, garantir a maior parte de seus interesses, crescer, afirmar-se como nação e resistir ao assalto infelizmente responsável, hoje, por nossa transformação em apêndice desimportante da quadrilha neoliberal que nos domina.
Existiu um propósito encoberto neste despretensioso mergulho no passado: a apresentação dos contrários quem sabe contribuirá para a óbvia conclusão de que o Brasil só sairá do sufoco através da superação de seus ressentimentos internos.
Ninguém foi, como ninguém é, completamente mocinho. Nem bandido. Durante os 21 anos em que governaram, os militares erraram e acertaram. Imaginaram-se detentores das verdades absolutas, substituindo o povo quando se tratou de promover as sucessivas trocas de guarda. Mesmo assim, importa registrar que nem eles, podendo tudo, tiveram coragem de impor a reeleição. Muito menos de entregar o patrimônio nacional aos estrangeiros ou de escancarar nossas portas à especulação financeira predatória.
Castelo Branco aceitou a prorrogação de seu mandato por um ano, mas fez questão de acrescentar à mão, no texto de um dos atos institucionais, que ficava inelegível para o próximo mandato. Hoje, é unanimemente referido como o mais democrata dos generais-presidentes. Talvez tenha sido o menos ditatorial, à medida que mandou investigar denuncias de tortura, aliás mal- investigadas, e não admitiu a censura à imprensa. Esta, é claro, autocensurou-se.
O presidente recebia jornalistas, para conversar informalmente. Abordava todos os temas, exceção de uma tarde de sábado, quando, no Rio, convocou os repórteres políticos dos principais jornais. O secretário de Imprensa avisou que aquele encontro seria diferente. O presidente estava constrangido e tinha um único assunto a esclarecer. Ele desceu as escadas do segundo andar do palácio Laranjeiras de cenho carregado. E nos pediu que encontrássemos uma forma de divulgar, quem sabe nas colunas sociais, não no noticiário político, que o casamento era uma página virada em sua vida. Viúvo, venerando e adornando a lembrança da mulher falecida há pouco, não pensava em outra união.
Conseguimos esclarecer as coisas: Castelo ressentia-se de notas publicadas nas colunas sociais a respeito de seu possível casamento com Sandra Cavalcanti, deputada e então presidente do Banco Nacional de Habitação. Não queria magoar a colaboradora, que admirava muito e jamais foi responsável por aquela fofoca.
Durante seu período de governo, mandatos foram cassados, prisões ilegais consumadas e torturas praticadas. Até direitos sociais se viram suprimidos, como a estabilidade no emprego. O Congresso ficou fechado alguns dias, depois da invasão armada da Câmara dos Deputados, com direito a tanques, metralhadoras e tudo o mais.
No reverso da medalha, Castelo Branco refez estruturas econômicas arcaicas, atacou como ninguém a corrupção, propôs ao Congresso o voto do analfabeto e uma reforma agrária que, caso executada, não existiria hoje o MST.
Costa e Silva passaria à crônica política como o mais injustiçado dos presidentes militares, autor do Ato Institucional número 5, o pior de todos, não fosse a revelação de haver empenhado a saúde e a vida na tentativa de dar a volta por cima e acabar com aquele instrumento de opróbio. Castelo não o queria como sucessor, fez tudo para evitá-lo, mas Costa e Silva, ministro do Exército, tinha mais tanques e soldados.
Empossado, tentou governar com a nova Constituição, sem a legislação excepcional então revogada. Não conseguiu, pressionado pelos generais radicais que o cercavam e não admitiam estudantes e povo na rua protestando contra a ditadura. Cedeu, menos de dois anos depois de feito presidente, quanto resistir à truculência institucional. Cada general, cada coronel, cada cabo corneteiro julgava-se detentor do poder revolucionário, podendo praticar as arbitrariedades que bem entendesse. Prisões em massa, tortura e censura à imprensa aconteciam por iniciativa de certos chefes militares. Mas era ele o responsável.
Ajudado pelo vice-presidente Pedro Aleixo, Costa e Silva preparou a revogação do AI-5. Faltava uma semana para a solenidade, que também reabriria o Congresso, quando se viu acometido pela trombose cerebral. Ainda tentou, sem voz e sem movimentos do lado esquerdo do corpo, assinar com a mão direita o fim da exceção. O comando do cérebro já não chegava à caneta. Entrou em choro convulsivo e saiu da História.
Foi durante seu governo que o País começou a crescer. Não havia dívida externa impagável, nem crise do petróleo, nem desemprego. Investimentos maciços se fizeram em telecomunicações, petroquímica, indústria naval e obras de infra-estrutura, entre elas a Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói e os metrôs do Rio e São Paulo. (Conti
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