sábado, julho 26, 2008

A CRISE SISTÊMICA DOS ALIMENTOS E O PAPEL DA AMÉRICA LATINA NA SUA SOLUÇÃO

Crise dos alimentos: 'O pior já passou', diz FAO

O pior da crise dos alimentos já passou e a América Latina "está se consolidando como a grande produtora de alimentos do planeta", na opinião de José Graziano Da Silva, diretor regional para a América Latina e o Caribe da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a FAO.

"Neste momento, acreditamos que as perspectivas (sobre uma solução para a crise) são muito boas. Nos dá a impressão de que o pior já passou", disse Graziano em entrevista à BBC.

Graziano diz que os preços dos principais produtos, como o trigo e o arroz, estão se estabilizando e que "a produção de quase todos os cereais tem registrado um crescimento muito significativo e (espera-se) alcançar um recorde mundial em 2008".

Depois de meses de manchetes alarmantes sobre o aumento contínuo dos preços dos alimentos, a FAO acredita que a situação mundial de oferta e demanda melhorará graças a um aumento da produção mundial de cereais de 2,8%.

Segundo Graziano, esse aumento na produção será especialmente marcante na América Latina, onde ficará em torno de 5,7%.

"Os países do Mercosul, incluindo o Brasil, têm aumentando sua produção, o que tem contribuído para frear a escalada dos preços", afirmou.

Produção e fome Graziano afirmou, no entanto, que a América Latina vive um paradoxo, já que produz mais do que consome e "os mais pobres são os pobres do campo, que são os que produzem os alimentos." Para Graziano, a solução está em políticas de proteção aos setores mais vulneráveis - já iniciadas por governos da região - e no estímulo à agricultura familiar. "A alta nos preços dos alimentos pode representar uma oportunidade de melhora das receitas. Isso se os países têm políticas de apoio à agricultura familiar, às infra-estruturas nas zonas rurais", afirmou.

Ele afirmou ainda que o país da região que mais o preocupa é a Bolívia.

"Há uma situação de insegurança alimentar severa. As zonas mais afetadas têm sido as do altiplano, que têm sofrido inundações." Crescimento e inflação O diretor da FAO disse que o grande problema da inflação na América Latina é que ela afeta os pobres em dobro.

"A inflação média na região está em cerca de 6%, mas o impacto sobre os mais pobres chega a 12% e isso acontece porque a maior parte de sua renda vai para o consumo de alimentos", afirmou.

Mesmo assim, Graziano afirma que o impacto que as medidas antiinflacionárias terão sobre o crescimento é ainda mais preocupante.

"A maior parte dos bancos centrais, por recomendação das instituições financeiras internacionais, começaram a aumentar as taxas de juros. Isso vai afetar o crescimento, e o crescimento para a América Latina é vital", afirmou.

Biocombustíveis Segundo Graziano, a FAO reconhece que os combustíveis tem tido um impacto importante no aumento dos preços dos alimentos, mas afirma que é preciso esclarecer a que tipo de biocombustível a organização se refere.

"A FAO reconhece dois tipos de impacto: o primeiro seria o aumento do consumo do milho nos Estados Unidos para a produção do álcool e o segundo é o aumento do consumo da colza, que se utiliza na Europa para a produção de biocombustíveis", afirmou.

"Por outro lado, nós não temos verificado um impacto significativo do uso da cana-de-açúcar", completou.

Desigualdade Apesar das boas expectativas para a solução da crise, Graziano afirma que nos países que têm baixas receitas, como os africanos, "não houve um aumento tão significativo da produção, e continuará existindo uma pressão dos preços no número de pessoas famintas." A longo prazo, o diretor da FAO acredita que o mundo terá condições de produzir o suficiente para alimentar mais pessoas.

"A FAO estima que para o ano de 2050 vamos ter de duplicar a produção alimentar para atender a uma população de 9 milhões de pessoas, mas acreditamos que isso será possível", afirmou.

O principal problema, na opinião de Graziano, está na desigualdade da partilha desses alimentos.

"Há países e regiões e setores dentro de cada país que consomem mais do que precisam, e outros têm níveis elevados de desperdício por causa do mal armazenamento ou transporte", completou.

Folha Online

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